QUATRO MATÉRIAS PARA A REVISTA DA APL
O
OUTRO LADO DAS COISAS
Francisco
Miguel de Moura*
Minha
grande amiga Rejane Machado, escritora e crítica de meus poemas, a quem devo uma
das melhores apresentações de “Pedra em Sobressalto”, além de outros
artigos sobre meus livros posteriores a 1974, faleceu no dia 31 maio de 2019, no
Rio de Janeiro (RJ), justamente quando eu ainda estava lendo seu belo livro de
ficção, titulado de “O Outro Lado das Coisas”, publicado pela All Print,
São Paulo, 2019.
Senti enorme pesar, por sua morte. Ela sempre foi minha
amiga desde a publicação do seu livro de contos “A Dimensão das Pedras”,
pelo “Diário de Notícias”/INL, 1969. Assim não sei como começar esta crônica de
saudade. Sempre que eu e Mécia, minha esposa, íamos ao Rio - e não foram poucas
vezes - ela nos convidava para almoçar em seu apartamento com a família, ou nos
levava a algum restaurante, do Leme, onde morava. Nossa amizade como escritora
existia de antes de nos conhecermos pessoalmente.
Daí vieram as visitas a festas e locais de cultura e em
casa escritores já famosos ou que eram sempre presentes na imprensa e nas
livrarias. Indo a Niterói, algumas vezes, conhecemos a cidade e seus muitos
poetas e escritores, com os quais nos contactaríamos depois, por escrito. Sim,
lembro de uma visita à casa de Maria Moura da Costa, descendente de família
nordestina como Rejane Machado. Lembrando bem Maria Moura da Costa esteve em
Teresina, onde passou um mês em minha casa, a qual tive o prazer levá-la à TV
Clube de Teresina.
São muitas lembranças. Vou guardando muitas cartas da
autora, seus livros e agora este livro “O Outro Lado das Coisas”. Para
Rejane, fiz-lhe o prefácio do seu excelente romance “Informação a um
Desconhecido”, publicado no ano 2000. Em 2010, veio outro muito bom
romance de título inquietante, “Réquiem para Mário”, mais ou menos na
época em que estivera en Teresina, ela e seu filho, músico, onde passaram mais
de uma semana em nossa residência.
No primeiro sábado de sua permanência em Teresina, levei
Rejane Machado a visitar nossa Academia de Letras, onde foi saudada pelos acadêmicos,
numa bela e agradável manhã, quando aconteceu uma ligeira discussão, porém
bastante animada, entre ela, Assis Brasil e Herculano Moraes. Rejane Machado,
muito versada em história e crítica literária, expressou o que seria literatura
e seus melhores escritores. Eu fiquei do lado de minha amiga Rejane Machado. Se
pesquisarmos as atas da APL, encontraremos esta questão colocada, indicando sua
presença à reunião acadêmica.
Em sua obra “O Outro Lado da Vida”, recebido antes de
Rejane Machado falecer, leio um seguro modo de ver as coisas, assim conduzindo
seus leitores a pensar que o outro lado da coisa é o outro lado do outro, o
outro lado do mundo. Mostrar em ficção como isto se explica, ou pelo que expõe,
é propósito dela, numa escrita limpa, quase conversa, onde os personagens são
sofredores, não por causa do mundo externo, material, mas por causa do “outro”.
Sei que era uma pessoa torturada por suas ideias e por seu padrão de vida
dividido com seu consorte, um abastado mineiro, aportado ao Rio. Dissonâncias
mais que consonâncias. Mas justo dentro deste ambiente criou seus filhos muito
amados. Lembro aqui a mais velha, Elisa, que casara com um piauiense de nome
Francisco e apelidado de Chicão, daí a dedicatória a mim, do seu exemplar de “O
Outro Lado da Coisas”: “Para meus queridos Chicão e Mécia, com minhas saudades”.
Digo isto, porque o marido, o músico, o padre, o doutor,
são constantes em seus tipos ou personagens, duelando os motivos que a levaram
ser uma grande escritora, uma apreciadora inigualável da música, especialmente
a clássica e também de tantas outras coisas como formar-se em letras (e
formou-se), e ainda a falta de tempo para escrever, pois extremamente dedicada
a seus filhos. Era também uma excelente pesquisadora da História Geral do
Brasil e da Literatura, nesta espécie, uma excelente crítica, com muitos
estudos em profundidade e que não foram ainda publicados. Assim, recebeu o primeiro
lugar, num concurso sobre famoso escritor baiano, prêmio que lhe foi conferido
pela Academia de Letras da Bahia - bastante divulgado em todo o país, sendo
concorrentes nomes importantes da Literatura Brasileira.
Rejane Machado publicou seu primeiro livro de contos, em
1973, com o título de “Dimensão das Pedras”, pela Ed. Cátedra, quando
ganhou o prêmio “Fernando Chinaglia”, porém já antes fora premiada pelo “Diário
de Notícias” / INL, Rio, 1969, na categoria contos. Era a época do chamado “boom” da
literatura brasileira, especialmente no gênero contos, que se espalhou por todo
o Brasil, abrangendo poesia, romance, crônica e critica, daí nascendo inúmeros
jornais e revistas: Era a chamada “imprensa
alternativa”. No Piauí tivemos, entre outros, a revista “Cirandinha” e
o jornal “Chapada do Corisco.”
No Rio de Janeiro, havia a revista “Ficção”,
de contos, da qual me tornei representante no Piauí. E sabem por quê? O editor
da revista era o jornalista e escritor Cícero Sandroni, que muito depois seria
eleito para a Academia Brasileira de Letras e da qual chegou a ser Presidente.
Foi ela, Rejane Machado, quem nos levou à residência do casal Cícero/Laura
Sandroni, para uma festa a que fora convidada. Lá fomos apresentados, eu e
Mécia, e daí nos tornamos o representante de “Ficção”, no Piauí. Com
essa disposição, e por meu intermédio, a revista publicaria contos meus, do
Magalhães da Costa e do Cineas Santos, além de muitas resenhas que fiz sobre
escritores daqui e doutros cantos do Brasil, conhecidos por mim, em pessoa ou
apenas de livros.
Finalizando, reafirmo que a escritora
Rejane Machado está entre os melhores prosadores brasileiros do período em que
viveu e trabalhou com galhardia, com imensa criatividade e estilo forte e rico,
em todos os livros, sempre com uma exposição clara e vibrante para colocar sua
realidade no mundo ficcional.
________
*Francisco Miguel de
Moura, poeta, crítico literário, romancista, contista e cronista, membro da Academia
Piauiense de Letras, da ALEP e da ALVAR. As duas últimas academias são
regionais, alcançando a região de Picos e a ribeira do Riachão, respectivamente.
CELSO BARROS – SAPIÊNCIA E CARÁTER
Francisco Miguel de Moura*
Outrora só se chamava de doutor
aquele que fosse formado em Medicina ou em Direito (leis). Não há discutir a competência de Celso Barros
no campo do Direito. Nem me atrevo citar tantas obras suas, nesta matéria, para
não cometer esquecimentos ou pedir desculpas por falta de espaço visto que não
tenho competência para tanto. Quem quiser saber em profundidade da sua
bibliografia tem que ler o livro “Academia Piauiense de Letras – um pouco da
história, um pouco das ideias”, editado pela própria Academia, em
2018, na Coleção 100 da entidade.
Na verdade, sinto-me bem
pequeno para falar sobre Celso Barros Coelho, creio que pela segunda vez, em
artigo para o jornal, mostrando sua competência e seu caráter. Da primeira,
enalteci o grande orador que é, colocando-o na mesma altura e grandeza de um D.
Avelar Brandão Vilela, os dois maiores na arte do discurso que eu já ouvi.
Porém, Celso Barros é
muito mais do que orador. Historiador e filósofo, sob cujos aspectos me sinto
com algum conhecimento para tal, invoco-o, neste momento, mais sob o ponto de
vista de cidadão de caráter sem jaça e do ilustríssimo Acadêmico da “Casa de
Lucídio Freitas”. Como Presidente da
APL, fez profícua administração. Antes, quando me dispus a disputar uma vaga na
APL, ele foi um dos primeiros a me incentivar. Para mim, bastante honrosa tal
atitude. Muito me satisfaz e me envaidece dizer que ele é meu confrade, meu
irmão de letras, por causa da magnitude de sua sapiência e do seu caráter,
itens que escolhi para esta crônica jornalística. Quando penso no grande representante
que tivemos na Câmara Federal por duas legislaturas e na sua eficiente atuação,
vejo-me como um simples eleitor seu, que fui em todas as eleições em que ele
concorreu a cargo público, depois que me estabeleci em Teresina.
Celso Barros é uma daquelas
pessoas ímpares, considerá-lo um gênio não é um exagero, pois elevados são os
seus conhecimentos, quer do Direito, da Filosofia, do Latim, tanto quanto da
Língua Portuguesa e de História. Outros temas podem ser indicados, por exemplo
a crítica literária, amante que é das musas e disto tem dado bastante exemplo
em livros e artigos. Sua obra é muito grande. Limito-me a colocar, neste
momento, sua história da “Academia Piauiense de Letras: Um Pouco da
História, Um Pouco das Ideias”, Teresina-PI, 2018, reeditada, onde coloca
de pórtico os versos do poeta Jônatas Batista, como se fossem sua própria voz
ao falar em literatura:
“Caminho sem
parar, sem curva, sem receio,
Sem fraqueza ou pavor, sem cobarde receio,
Meu destino a seguir, sem encontros temer.
A batalha me tenta, a guerra me alucina...
O
movimento é a vida, a vida me ilumina...
Nasci para lutar, na ambição de vencer”.
É realmente um livro para
quem quer conhecer a entidade centenária e seus membros, sendo Celso Barros um
dos mais elevados e estimados.
Não posso aqui esquecer
que logo abaixo dos versos do poeta e acadêmico Jônatas Batista, vêm as
dedicatórias aos historiados da casa, por ordem e em seguida: João Pinheiro (in
memoriam), Francisco Miguel de Moura e Herculano Morais. Esse
reconhecimento me cativa.
Outro livro que desejo
evidenciar, de sua autoria, é “Tempo e Memória” (2009), - uma joia de
alto valor pelo sentimento e grandeza com que coloca sua infância e juventude.
Celso Barros é uma daquelas
pessoas que chamamos de genial, quer no sentir e no fazer, quer no viver e no
tratar com o outro. Na ciência do Direito o é, com toda certeza, pois
reconhecido por todos os piauienses e brasileiros de modo geral que privam de
sua lhaneza em algum momento da vida.
Educação esmerada, caráter sem jaça. Muito humano: Como advogado, se
volta à defesa de causas justas e honrosas. Mas sua bondade e generosidade vai
além: Jamais deixou à mingua um pobre, sem condição pagar honorários. Tudo isto
falo não só por minha parte, desde que o conheci ao aportar em Teresina, vindo
do interior da Bahia. Ele já era, àquela altura, uma celebridade: Professor
exímio da Universidade Federal, Tive-o como mestre na cadeira de “Linguística”
quando a Faculdade Católica de Filosofia do Piauí ainda não se integrara à
Universidade.
Nascido aos 11 de maio de
1922, filho de Francisco Coelho de Sousa e Alcina Barros Coelho, em Pastos Bons
(MA), mas ninguém é mais piauiense do que ele, pois a maior parte de sua vida devotou
ao Piauí, especialmente Teresina, como se fosse aqui nascido. Porém jamais
esqueceu sua terrinha no Maranhão, a região de Pastos Bons, onde foi fundar a
necessária e importante Academia de Letras, História e Ecologia da Região, entidade
que desde o seu nascimento vem publicando o simpático e oportuno jornal “Pastos
Bons”, cujo órgão é por ele dirigido. A Academia de Pastos Bons completou, no
dia 15 de março de 2019, 15 anos de profícuo trabalho em favor da literatura,
da arte, da cultura e da ecologia da região.
Pois bem, o senhor Doutor
Celso Barros, na comemoração dos 15 anos de existência da dita Academia, estava
lá, justo quando completava 97 anos vida bem vivida e bem amada. Estava em Pastos Bons, a terrinha do seu
berço. E assim, em reunião da Academia Piauiense Letras, seus membros
proclamaram a data e prestaram a homenagem ao aniversariante. Bem que muito mais valia a proeza de 97 anos
de vida integral em corpo e espírito. Nada mais que justo, para um homem de
tamanha envergadura, dentro de tal idade e que auguramos que vá muito longe e
com saúde, íntegro como está, fazendo, sentindo e opinando, nos jornais,
revistas e onde quer que que publique seus artigos. Respeitadíssimo sempre,
pois seus atos e opiniões dão o exemplo, de homem competente e sábio.
Mas, repito, não estou
fazendo sua biografia, visto que a biografia dos homens de ação, corajosos,
sapientes como Celso Barros Coelho não pode ser feita em vida. E que ele ainda
tem muito o que dar, gozando de boa saúde física e mental. Meu proposto ao render-lhe
esta homenagem, em primeiro lugar foi mostrar alguns dos momentos que com ele
privamos e testemunhá-los aos meus leitores. Nem é bem um artigo, é uma crônica
que vem de dentro do meu coração.
_____________
*Francisco
Miguel de Moura, membro da APL, cadeira nº 8, que tem como Patrono, cujo patrono é poeta J. Coriolano (José Coriolano de Sousa
Lima)
“FACA
AMOLADA” – UMA CRÍTICA
Francisco Miguel de Moura*
Faz alguns meses que, por intermédio do meu amigo Roosevelt
Silveira, recebi o livro de poemas “Faca Amolada”, FUNPEC-Editora,
Ribeirão Preto (SP), 2017, de Waldomiro Peixoto. Roosevelt Silveira me fez
sentir que o autor gostaria de ter uma opinião crítica sobre sua obra. Mas não
sabia a quem recorrer. Meu amigo se dispensou de avaliar sua poesia e me mandou
o volume, também sem dedicatória, para minha apreciação.
Dessa forma, como crítico
literário, me vi na obrigação de ler e escrever algo (se fosse o caso) sobre “Faca
Amolada” e, em seguida, enviar ao intermediador, o amigo Roosevelt
Silveira, com a solicitação de dar o destino que lhe for mais conveniente, sem
tirar-me a obrigação de tornar esta matéria pública, através de minha página na
internet, visto que já não escrevo mais para os jornais. Em assim fazendo,
estou contribuindo para a inclusão do autor na “Confraria dos Poetas”, cuja
existência é silenciosa como a confraria dos maçons.
Li todo o livro, não cometo a injustiça de fazer qualquer
crítica a uma obra sem que a tenha lido inteiramente. Waldomiro Peixoto é um
poeta de primeira viagem, se bem que não tão novo, pois nasceu em 1950, em Ipuã
(SP), sendo casado, pai e avô. Avaliando essas condições e a obra, o que direi?
Seu livro tem 118 págs. Não é tão grande nem tão pequeno, representando várias
fases sua vida, ao que nos parece. Mas isto, para a crítica, não importa.
Estilisticamente, começa mais ou menos bem, com o poema sem
nome:
“Essa
vida madrasta!
Arrasta,
arrasta, arrasta
Escorre, escorre, escorre.
Só
o tédio não morre”.
É como se fosse uma epígrafe do que há no livro. E há. Motivos não lhe faltam, é verdade, e tantos
momentos que podem transformar-se em poesia, ou seja, com um trabalho normal,
livrando-se do vulgar e seguindo o clássico, onde transpareça a alma do poeta,
a alma de todos os poetas, quiçá de todos os homens, pela invenção da
poesia. Concordo com seu apresentador
(Antônio Carlos Tórtoro), quando escreve que “o percurso de um livro de poemas é exatamente como o percurso da vida:
não sabemos o que vamos encontrar, se um pente ou um cadáver. É como pular num abismo e para pular de um
abismo não precisamos de muitos artifícios ou justificativas.” Porque a poesia não precisa de
justificativas, completo eu. A poesia é a própria justificação, quer trate do
tudo ou do nada. A poesia precisa dizer o indizível, como fez o Drummond em seu
poema “Tristeza do Céu”.
Enquanto não encontrarmos a forma de dizê-lo não devemos parar a
procura. O poeta é um caçador de palavras, vozes, sons e acentos, para atingir
a altura nos píncaros da leitura verbal ou apenas silenciosa. Pode parecer
impossível, mas é com o possível que o poeta encontra o impossível: seu “eu”, o
“eu” dos outros e a alma das coisas.
Sem mais delongas, passemos ao seu poetar, a sua maneira de
escrever poemas, com “A Indiferença do Poeta”: O primeiro
verso seria mais forte se o particípio passado do verbo final - “Lápis e
papel sobre a mesa caídos”, fosse substituído pelo adjetivo “desfalecidos”. Outros e outras substituições, cortes e
acréscimos seriam encontrados para que sua poesia mais vibrasse: No oitavo
verso, eliminar-se-ia a expressão “uma
relação”; no décimo quarto verso, eliminando também “de sua poesia”; e o quarteto final seria resumido num terceto,
assim: “Indiferente a ambos /o poeta
conta a própria história. - Quem
sabe, a outra história nossa!” Mas são apenas sugestões, prezado poeta
Waldomiro Peixoto, não se assuste: os poetas (e os críticos) são catadores de
nuances.
Isto escrevo pensando como foram úteis as conversas que
mantivemos, eu e poeta Hardi Filho, de saudosa memória, quando nos criticávamos
e até recebíamos, humildemente, auxílios um do outro, para este ou aquele
verso, para este ou aquele poema. Era uma troca muito rica! Que poetas como
Waldomiro Peixoto encontrem amigos poetas para sua convivência verbal,
artística, “vis-a-vis”, é o que
desejamos. Se me proponho a fazer a análise de um poema, não é simplesmente
para bancar de doutor no assunto, mas para pensar na fortaleza, com mais e mais
imagens, mais mistérios, mais criação, menos descrição, menos o trivial – tudo
o que ficaria para a prosa.
Waldomiro Peixoto começou bem o seu livro “Faca
Amolada”, com dois poemas que qualifico de bons. Porém melhores
ficariam se, no futuro, lendo e ouvido poesia e sobre poesia, fizesse uma
reescrita para nova edição. Da mesma forma é o final do livro com poema “Consentimento”.
Os bons poetas e escritores costumam reescrever sempre o que foi escrito. Eu
reescrevo sempre, nunca acho que ficou bem. Ainda hoje reescrevo o livro “Areias”,
minha estreia, em 1966. O primeiro crítico de mim sou eu mesmo. Estilo é uma
coisa que se constrói, não é um elemento com o qual apenas se nasce. O que
chamam vulgarmente de inspiração não existe num sentido global.
Outros poemas: “Eu e o Poeta” e “A
Necessidade do Poeta”, onde WP conclui com versos que fazem um fecho de
ouro: “Concluí, amargo, obscuro: / O homem é limite puro.” Quando falamos em
fecho de ouro não significa que o começo, os primeiros versos, também, não
sejam de ouro. Devem ser, sim.
Nota-se também que o poeta não abusa das rimas, é ponto
positivo. Rima não é uma necessidade dentro do poema. Só deve acontecer quando
for espontânea e vigorosa, principalmente se o achado for de rima rica. A rima rica tem várias formas: quando vem com
as palavras de diferentes categorias gramaticais: imenso –
venço, por exemplo. É apenas um exemplo entre muitos outros que
poderiam ser mencionados.
Comparando mal, o poema é o apartamento de um edifício,
difere dos outros irmãos pela arrumação: móveis, pinturas, iluminação,
enfeites. Sem deixar de ser um apartamento, dentro do edifício, ele é o seu; as
visitas chegam e sentem o cheiro, o colorido, as paredes, os adereços, a luz e
a música que proporcionam beleza, pois a casa é sempre a imagem do dono ou
locatário. Não precisa explicar: Está bem ou não está. O poema se explica por
si mesmo. Também não precisa de adjetivos em profusão, de palavras
polissilábicas, tais como advérbios em “mente” e outras; nem precisa de
repetições inúteis, mas apenas quando o formato e o assunto exigem para fazer
bem aos sentidos ou até para fazer mal, quando se trata de poema satírico.
No livro em estudo, quero citar mais os poemas “Sinfonia
Mágica”, “Existe Solidão”, “Quarto de Hotel” e “Sonhar
e Despertar” (vejamos como colocou bem o advérbio “pa qui der mi ca men te”), além
de outros também terminados em “mente”, que foram bem colocados.
Por isto aqui se confirma: “não há regra sem exceção”, cada poema tem sua
regra, tem sua forma, seu estilo, basta procurar. É bom lembrar sempre o mestre
Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com a palavra / é a luta mais vã, / no
entanto lutamos, / mal rompe a manhã”.
Quando se diz que as palavras polissilábicas não são boas para a poesia
é, simplesmente, para apontar que o nosso idioma é rico em dissílabos e
trissílabos paroxítonos. Outros poemas importantes nos quais WP frequenta a
concisão são “Cegueira”, “Mudança”
e “Vazio”.
Já o grande escritor Edgar Allan Poe confessou que os poemas longos não marcam
tentos, já não existem as epopeias como antes, descambam para a crônica ou a
simples descrição. A lírica é melhor quando curta. Só os grandes poetas
conseguem um poema mais ou menos longo como “O Corvo”. A vantagem de Poe é que ele amarra o
leitor ao refrão até fim, em todas as estrofes. Melhor não arriscar, para não
cair na anti-poesia. Outros poemas: “E
o Homem?”, (oferecido a Ferreira Gullar), “Infinito de Amor”
(concreto) e “Faca Amolada”, são poemas que oferecem tons fortes, imagens
indistintas entre o espírito e a carne. O livro vale por todos os poemas já
citados.
Outros poemas eu poderia enumerar entre os bons, os quais o
poeta só deverá mesmo reescrever alguma coisa, palavras, locuções,
cancelamentos, substituições, com vagar e sempre baseando-se nos grandes
escritores nossos, como Ferreira Gullar, Carlos Drummond de Andrade e Manoel de
Barros, para citar apenas os modernos, e não se deixar levar pelos poetas da
música popular, onde raramente encontramos bons versos. Não citei os clássicos
Olavo Bilac e Guilherme de Almeida – estes me vieram à mente porque encontrei
no livro “Faca Amolada”, um poema que o autor diz
ser soneto, mas soneto não é, talvez seja um poema de médio alcance. Soneto tem
regras, só quem as conhece e já construiu alguns, pode brincar com elas. Não estou dizendo que o autor em estudo não
tem capacidade de escrever um soneto, que é uma forma secular consagrada, na
qual somente os grandes autores encontram lugar e colocam-se entre os mestres.
Mas, sinceramente, precisa-se de mais treino, sim. Aliás, um treino que até os
grandes poetas modernos fizeram, mas alguns não publicaram para não confessarem
o “pecado”, (veja-se o caso de Oswaldo de Andrade). Enfim, “tudo vale a
pena se alma não pequena”, concordo com Fernando Pessoa. Assim, para o
poeta Waldomiro Peixoto ainda restam muitos caminhos: um deles é reescrever o “Faca
Amolada”, no todo, ou em parte; outro seria escrever novas obras,
tentando melhorar sempre, como os poetas fazem. Poeta não nasce, poeta se faz.
E faz-se com muito suor, lápis, papel, muitas letras, choro e lágrimas. Tudo
com obstinação. Se digo assim, não quis desanimá-lo, muito ao contrário. A
intenção foi a de estímulo aos desafios que terá pela frente. Faço-lhe esta
crítica com a mão no coração. É cheio de boa vontade que lhe vou apontando o
que sei. Os leitores que me julguem, os críticos também erram. Mas é preciso
provar que não têm razão.
_____________
*Francisco Miguel de
Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, é poeta e crítico literário
brasileiro, mora em Teresina, a bela capital do Piauí.
JOSÉ SOLON DE SOUSA: “PÉROLAS DA MINHA TERRA”
Francisco Miguel de Moura*
Sinto-me muito honrado e feliz por convidar-me novamente
para prefaciar sua mais recente obra, este “Pérolas da Minha Terra”, livro
misto de poesias e crônicas, testemunhando um pouco da história de Jaicós, esta
cidade tão antiga e importante que, no entanto, é esquecida das glórias
passadas, uma delas a de ter sediado a primeira escola superior, em nosso
Piauí.
Mesmo que fôssemos ligar para origem da palavra “Prefácio”
que quer dizer “feito antes”, este prefácio não seria difícil para mim, haja
vista que, com o tempo, os prefácios vêm dando conta de como e o que vale a
obra, tornando-se muito úteis e necessários.
Só não precisa de prefácio quem é orgulhoso demais, feito
pavão. Meus livros sempre tiveram prefácios: eles auxiliam o leitor a tomar
conhecimento antecipado da obra que vai ler. Além do mais, os leitores querem
saber do sentido, da forma e do valor da obra antes de iniciar sua leitura. E é
disto que dá conta o prefaciador.
Os escritores têm sua originalidade e assim estabelecem as
regras – ou seja o criador tem muita liberdade para criar e recriar o belo, a
arte. Nessa ordem geral está inscrito Solon, autor de “Pérolas da Minha
Terra”. Os críticos vêm depois. Por
isto, antes de falar sobre o livro, algumas palavras sobre o amigo José Solon
de Sousa: Amizade que não foi pega em arapuca, aconteceu por conta da poesia e,
depois, pelo seu caráter, generosidade, paixão pelas coisas boas e belas da
vida.
José Solon de Sousa usa sua
liberdade de criar poemas e crônicas quando produziu estas “Pérolas da Minha
Terra”, uma joia de literatura para a cidade de Jaicós e para além. Ele domina
muito bem o idioma em “Pérolas da Minha Terra”. Solon é um médico de fama, com
consultoria em Picos, mas nunca deixa sua terra por nenhuma outra, mora em
Jaicós, interior do Piauí. Incentivador pertinaz da cultura local, para tanto
criou o “Centro Comercial Cultural Alaíde Reis”, em Jaicós, cujo nome
homenageia sua querida mãe, o qual vem sendo bastante ativo tal como o seu
criador, e vem prestando preciosos benefícios à comunidade.
A regra ditada pelo Prof. Arimathéa Tito Filho, nobre e
culto presidente da Academia Piauiense de Letras, era esta, quando algum médico
se candidatava a uma cadeira na APL: “Os médicos, de modo geral, escrevem bem”.
E é também nesta regra que se inscreve nosso amigo José Solon de Sousa. Como
poeta, ele tem demonstrado grande capacidade de improvisação, pois, enquanto
outros ficam lambendo palavras, ele segue em frente, conseguindo a sua estranha
forma de poetar, escolhendo sempre temas da maior importância para a realidade
local e do país, quase sempre com bom humor.
Eis que se ergue do verso, nesta obra, e vai até a forma
narrativa, extraindo dos costumes e modos dos “jaicoenses”, curtas e belas
narrativas em “Pérolas da Minha Terra”. Nisto tudo também está a singularidade
do livro: a poesia entranhada na crônica e vive-versa. No mesmo tom, ele nos
mostra 43 pequenas narrativas de tipos e/ou personalidades de sua terra, tão
importantes – boa parte deles, senão todos – para a construção de uma futura
história de Jaicós.
Transcrevo, aqui, pedacinho de uma delas, como para o
leitor deste prefácio tomar gosto: “Expedito Barbosa: Magro, alto, simpático,
recebia a todos com um sorriso acolhedor. Homem inquieto, estava sempre
procurando o que fazer. Essa era a sua lida: mecânico e colecionador de ferro
velho. Um homem acolhedor – lá estava ele entretido em achar aquela peça
solicitada pelos fregueses...”
São de leitura agradável suas crônicas poéticas e seus
poemas-crônica. Creio que no final da leitura, todos vão concordar comigo, pois
José Solon de Sousa usa de muito bom humor, reafirmo, tanto na crítica quanto
nos versos curtos da poesia. É um livro totalmente diferente dos seus anteriores,
especialmente no conteúdo.
Estou feliz por ser “jaicoense” de batismo, como ele disse,
por ter eu sido batizado em Jaicós, no tempo em que Jenipapeiro pertencia à
Paróquia de Jaicós. E assim, irmão e conterrâneo seu, vejo José Solon de Sousa
no caminho certo da literatura, com vida e arte. Assim como já é na música,
onde sua presença é louvável e querida.
_______________
*Francisco Miguel de
Moura é poeta e crítico de literatura, mora em Teresina, a bela Capital do
Piauí, apelidada de “Cidade de Cidade Verde”, pelo o grande escritor Coelho
Neto, quando aqui esteve, no começo do século passado.
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